LIRA DOS QUINZE ANOS – REVISTA POETIZANDO * Antonio Cabral Filho – RJ

p38a

REVISTA POETIZANDO Nº 38 – 2010

EDITORES:

EUNICE MENDES

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO

São Vicente – SP

http://www.revistapoetizando.blogspot.com.br/ 

***

**

*
Oh que alívio que eu tenho
daqueles colegas de infância
com seus mundos cor-de-rosa,
heróis de história em quadrinho,
coca-cola, chiclete, carmanguia,
lencinhos perfumados, documentos,
sem sombra de movimentos
que os anos não trazem mais.
 *
Como eram frios os versos
profundamente românticos!
Mas contra os versos
profundamente românticos
a alma dos versos meus
é francamente livre
e cospe na cara do eu-lírico
que caça borboletas azuis.
 *
Oh que alegria que eu trago
das minhas gazetas da infância,
daquelas tardes jongueiras
à sombra dos oitiseiros
entre o Largo da Carioca
e o Tabuleiro da Baiana
com tudo quanto é quitute,
cuscuz, cocada, quindins
e os chamegos da mulata.
 *
Oh que saudades que eu tenho
da minha Avenida Central,
avenida dos meus sonhos
colhidos na Cinelândia
e comidos nos Arcos da Lapa
por alguma linda Brigite
com beijo gosto de menta
e seios de Marilyn Monroe.
 *
Pobre do espírito pudico
que nunca esbarrou com Cupido!
Jamais se esbaldou
nas tabernas da Praça Mauá
degustando “Cuba-Libre”
com as nossas Bardots,
nem trocou beijos calientes
entre senha e contrassenha
com alguma companheira
aos cicios “pela revolução!”
nas esquinas da Rio Branco.
 *
Livre filho suburbano
desfilava satisfeito
por meu boulevard sem Paris
da minha Avenida Central,
que só virou Rio Branco
para agradar ditos-cujos,
e ria com meus olhos leigos
da anarquia arquitetônica
daquele casario sem eiras,
que o Pereira “passo” extinguiu
com um só “bota-baixo”.
 *
Naqueles tempos ruidosos
de ardente adolescência,
papai montava a cavalo
e saia pra campear,
mamãe brandia o chicote
e o leite fervia
no fogão a lenha,
eu era pingente de trem
e oficie-boy da Light
e Che Guevara era bandeira
nas barricadas de Paris.
*
Ai que saudades que eu tenho
da Avenida Rio Branco
como um palco a céu aberto
p’rum coro de cem mil vozes
cantando Geraldo Vandré:
“Vem, vamos embora,
que esperar não é saber.
Quem sabe faz a hora
não espera acontecer.”
 *
Mas “saudade” que eu sinto,
“saudades” que me doem fundo mesmo,
são da Avenida Rio Branco
na passeata dos Cem Mil
no auge dos meus quinze anos,
daquela gente bronzeada
mostrando tanto valor
só pra mudar o Brasil,
dos “bailes” que eu dei nos “ome”
na Biblioteca Nacional
com o saco de bola de gude,
do Wladimir trepado no poste
gritando “Abaixo a Ditadura!”
alheio ao gás lacrimogêneo,
das balas com endereço certo
e o sangue correndo solto……
……………………………………………
São “saudades” que a palavra
lhes recusa a assinatura,
coisas muito duras para esquecer
como diz o Rei Roberto,
mas me fazem muito bem
que os anos não tragam mais.
 *
Por isso eu sigo cantando
“Caminhando” com Vandré:
“Vem, vamos embora,
que esperar não é saber.
Quem sabe faz a hora,
não espera acontecer!”
***

REVISTA POETIZANDO ENTREVISTA ANTONIO CABRAL FILHO * Antonio Cabral Filho – RJ

 *

MOMENTO LITERO CULTUAL - SELMO VASCONCELLOS  - RO
ANTONIO CABRAL FILHO
“O poeta é um romântico revolucionário em tempo integral.”
__________________________________
poetizando38
Editores:
EUNICE MENDES
WALMOR COLMENERO
São Vicente – SP
*


Entrevista:
***
 
P: Quem é Antonio Cabral Filho?
R: Gosto deste modo de perguntar; porque é frontal e permite uma resposta extensa ou sucinta; mas prefiro esta: Sou Antonio Cabral Filho, que em vossa presença emigra; do pinto que não quer milho, João Cabral que lhe diga.
 
P: Como começou a escrever? Teve influências familiares?
R: Durante a catequese no meio rural em que vivi até aos quinze anos, é comum o uso das formas literárias e musicais populares; e foi aí, dentro da igreja que fiz contato com a poesia, fazendo quadras para cantar durante as aulas de catecismo, em sua maioria, dedicadas a Nossa Senhora. E, como não podia deixar de ser, minha maior instrutora foi minha mãe, que ainda canta “Ìndia, seus cabelos nos ombros caídos, negros como anoite que não tem mais fim…” como ninguém.
 
P: Por que poesia?
R: A poesia é meu forte, em função da objetividade com que ela serve para dar a resposta certa na hora certa ao interlocutor certo…
 
P: Como o poeta se coloca no mundo?
R: No meio da arena, com uma espada em cada mão…
 
P: Como é seu processo de criação? Existe inspiração?
R: Relâmpago, como agora; a resposta é medida pela pergunta. Inspiraçâo?  “Por Deus e por todas as coisas em que não creio, minha sombra fala, mas não no creio.” (O Viandante e Sua Sombra – Nietzsche)
P: Atualmente, para quem os poetas escrevem?
R: Não somente os poetas, mas todo escritor escreve para si mesmo.
P: A arte é própria dos artistas ou todo mundo é artista?
R: Ferreira Gullar fala sobre isso o tempo todo e eu concordo: Todo mundo é artista. O que diferencia os “artistas” do seu conjunto (humanidade) é a sensibilidade com referencia a sua criação: Jamais existirão dois “Fernando Pessoa”.
P: Despertar para a literatura é despertar para si mesmo?
R: Na medida em que seja despertar para o Mundo, sim.
 
P: A arte contribui para melhor compreensão do mundo?
R: Arte é integração da pessoa com o Mundo, e, na medida em que despertamos para nós mesmos, rompemos o processo alienante e nos tornamos sujeitos, frente a nós , portanto frente ao mundo.
 
P: Crê que a poesia, mesmo a não engajada, é um agente de
transformação pessoal? E social?
R: Até Marx já falou sobre isso: Um bom poema de amor é engajado na medida humana do Amor, uma vez que ELE resgata a pessoa na dimensão individual e a transporta para o coletivo ante a pessoa amada.
P: Acha importante o intercâmbio entre os escritores e seus leitores?
R: É a maior “oficina” do escritor; pois se recebe contribuições fantásticas, às vezes sem a menor pretensão.
P: Como vê os prêmios, concursos, eventos e afins? Contribuem
realmente para melhor literatura e formação de público?
R: Como palcos da produção, onde se realizam as suas concretudes, uma vez que “vender” uma ideia ou um produto depende desses dois componentes: A VIA de acesso e o DESTINATÁRIO.
P: A internet disseminou a literatura? Como vê os sites, blogs? Como
alteram a relação entre escritor/público?
R: A INTERNET assustou muita gente; a mim inclusive, que desmontei uma livraria e distribuidora em 1992, por trabalhar, basicamente, com livro didático, o mais “xerocado” e “baixado” do mundo; no entanto, para a literatura, ela representa um espaço ilimitado, pois permite acesso a mais pessoas e combate o preço final do livro impresso. Os blogs são “nossos fanzines” de outrora, tão guerreiros, buscando sempre mais adeptos/fãs/colecionadores…
 
P: Considera os saraus importantes para a socialização da poesia?
R: São fantásticos espaços de encontro entre escritores, leitores, boêmios, personagens etc
P: Como vê a literatura atual? Quais seus novos autores preferidos?
R: A literatura atual, brasileira, é sucesso de ponta a ponta do territótio nacional, dadas as suas necessárias proporções; hoje ficou mais difícil ser “best-seller” na metrópole, mas de certa forma, todos o são nas suas províncias…
Sobre os “Novos Autores”, fica difícil destacar alguém, justamente devido ao grande número de gente publicando.
*
P: Deixe um pequeno currículo.
Antonio Cabral Filho publicou até agora ECCE HOMO, poesia, 1997; DUELO DE SOMBRAS, poesia, 1999; VER…SO CURTO&GROSSO, poemas piadas,2006; CD/DVD DEPOESIA, 2008, CINZA DOS OSSOS, poesia, 2009…
 
Coletâneas: POETAS DA CIDADE DE NITERÓI, poesia, 1992; ANTOLOGIA POÉTICA 2 -UFF/Eduff, poesia 1996; POETAS 10engaVETADOS, poesia, 1995; BRASIL LITERÁRIO 2007/2010; ANTOLOGIA 13 POSTAL CLUBE, poesia, 2011; FANTASIAS, coletânea de contos, crônicas e poesia, 2011, ALPAS21; POETAS EN/CENA 6 BELÔ POÉTICO 2012. Em programação: ANTOLOGIA DE POETAS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS, pela Ed. Pimenta Malagueta/Elenilson Nascimento…
*
Contato:
 
E-mail: letrastaquarenses@yahoo.com.br
Blog: letrastaquarenses.blogspot.com.br 
*
Pequena mostra da poesia de Antonio Cabral Filho
 
HAICAIS
 
Das copas floridas,
despencam só broches de ouro:
Ipês amarelos.
*
No cinzeiro cheio,
a prova do que serão…
Só quero aplaudir…
*
Canto da Uiara,
lá bem no ermo da floresta:
Quem ouve, não volta.
*
Na dança do fogo,
chamas devoram desejos:
Sagração do rogo.
*
Pleno meio dia,
nenhuma nuvem no céu:
Verão implacável.
 
TROVAS
 
Trem é coisa de mineiro,
mas é meio de partida;
leva o pai ao estrangeiro,
deixando a mãe desvalida.
*
Quem criou obras tão belas
como o luar das Gerais,
fez da mulher uma delas,
mas pra si tem algo mais…
*
Minas é demais da conta,
é terra das emoções;
pois só ela tem “Três Pontas”
e até “Três Corações”
*
Todos cantam sua terra,
também vou cantar a minha;
mas no meu verso se encerra:
– Minas Gerais é rainha!
*
POEMAS PIADAS
 
DESEMBUCHE
 
Oh meu caro Gabo,
tenha a santa paciência;
ninguém aguenta mais
“Cem Anos de Solidão!”
*
MACUNAIMAICAI
 
Sacrifício algum
vale prazer mais intenso
que matar o tempo.
*
MILITÂNCIA
 
Os meus sonhos de 68
acabaram em 69
nas areias de Ipanema
com uma loura bem suada.
*
SARRO
 
Poema feito nas coxas
é igual a mulher bonita:
Não precisa entender o enredo,
basta gostar do arranjo.
*
ELEGIA DE AUGUSTO DOS ANJOS
 
Fui ler Augusto dos Anjos,
mas assim logo de cara
fiquei que nem os arcanjos
caçando “Escarlete Ohara”.
 
Pareceu-me um Frankenstein,
Drácula sem Baviera;
Por mais que vocês estranhem,
achei bem pior do que era.
 
Mas depois eu me dei conta,
tanta riqueza linguística
cuspida por gente tonta
 
sem apreço com estilística,
fora os burros sem cabrestos
aos coices pelos seus textos.
*
ESPELHO DE SOMBRAS
 
Por sobre os ombros
os olhos fitam o mundo
refletido no espelho
através da janela…
O corpo imerso no dia convulso
insensível aos suicídios
e ao calor das discussões
não figura, não é mais nem menos
na paisagem alheia.
O pintor no atelier
não o notaria pousado na folha
branca sobre a mesa.
O dia cheio de mecanismos
é tudo que cabe no espelho;
O resto, os olhos não podem ver…
***